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Estilhaços

Nesta quinta-feira, seis de abril, na Livraria Cultura, Marcelo Backes lançou Estilhaços, seu primeiro livro pela Editora Record. O sub-título “Minigâncias, Digressões e Batocaços”, especialmente pelos “Batocaços”, já anuncia do que se trata, sendo o autor muchachinho da Linha Paca Norte, oco das Missões, com três anos de seminário nas costas (pisas e pisas de silício só pelos maus pensamentos e a manipulação diária) e seis de doutorado na Alemanha, país – ninguém o ignora, Ballack é o craque do time – bárbaro.
Comprem, sai quase de graça, e a Cultura envia por SEDEX (serviço confiável daquele órgão da CPI), porque o livro não é só uma capa chique (o autor repudia veementemente quando o acusam, a exemplo da Gisele, de ser apenas “mais uma carinha bonita”). O livro não é só uma capa meio afrescalhada de relevos, arcoirisada de, por assim dizer, bandeirolas, com destaque para a letra “H”, comovente homenagem a seu ídolo (ainda mais agora, que ambos residem no Rio de Janeiro), o Ney, claro, que despertou no então menino do interior (com o hit “Homem com H”) o gosto pelas artes, “H” da capa em cintilante e adequado Fanta Uva. E da lombada nem falamos, totalmente in!
O livro, como dizíamos, não é só escrínio. Longe disso, tem fulcro – muitos miolos, ao contrário das várias publicações de gaúchos ultimamente, sem um único.
A seguir, alguns estilhaços.

Dos Conceitos Mais-Que-Perfeitos:

Aforismo
Cacos de vidro
saltando do lápis...

O epigrama...
é a lírica
da cólera.

De Da observação da vida lá fora... e da alma aqui dentro:

Campina das Missões ou Homenagem amorosa à pátria
Não é por ter nascido no chiqueiro
que o potro vira porco...

Sobre Lya Luft e a lista de mais vendidos em geral
Tom Waits
– eu choro, choro, choro,
e ele canta meu paraíso perdido –
não toca na MTV...

Enxaqueca
Jamais pensei que o inferno fosse tão pequeno a ponto de caber em minha própria cabeça...

E tem ainda outros miolos: Glossário de Nomes que São ou Estória Onomástica de Anharetã (trama policial que desvela-se à medida em que as personagens por trás dos nomes nos são apresentadas), Líricas, Pílulas para viver pior ou Manual de sobrevivência para o século XXI, Pequeno dicionário nostálgico do meu futebol missioneiro, Pescando em lago alheio... e pondo molho backesiano ao peixe, Do ofício e de seu mestre ou paralipômenos à crítica.

Uma lírica:

Império dos sentidos
Dói tanto ver!
Quem menos ama
tem mais poder...

Outra lírica:

Amar é...
...comer a mulher,
mesmo quando
ela não quer...

Uma pílula:

Da dessacralização do amor mítico
Sorte no jogo, dinheiro para o amor...

Outra:

Da alimentação e da importância do protesto
Em boca fechada não entra comida...

Um verbete do dicionário futebolístico:

Bola – Qualquer coisa, de forma arredondada ou não, capaz de ser movida através de um impulso oriundo da extremidade unhosa dos membros inferiores. Nos primórdios do meu futebol missioneiro, bola de meia era luxo, limões vinham bem a calhar no pátio da escola e um recipiente de q-boa era o mesmo que felicidade, um sinônimo perfeito de alegria.

Um paralipômeno:

Manual de caçador
Às vezes a gente tem que dar um susto no jacu para enxergá-lo. Tanto maior é a glória de abatê-lo em pleno vôo.

Ou seja: o livro é inteligente, irônico, inspirado... (e merece muitos outros elogios, pois põe os pingos nos iiiiiiiiis do panorama literário).

 

Do lançamento

Pouquíssima gente para a magnitude do evento, o que confirma muitos dos trechos do livro, ácidos para com certa edulcorada intelectualidade (não só de Porto Alegre, felizmente, assim podemos repetir que “a boçalidade é universal”). Mas, dentre os poucos, alguns digníssimos:
Sergio Faraco (maior contista brasileiro, alegretense dos quatro costados),
Eduardo Lanius (melhor crítico literário do Rio Grande do Sul e, por conseqüência, do Brasil),
Milton Ribeiro (reconhecido pelo próprio Backes como “o melhor leitor não profissional do mundo”),
Fabrício Carpinejar (melhor e mais vendido poeta brasileiro da atualidade),
Monique Revillion, que acaba de lançar seu livro de contos Teresa, que esperava as uvas (estréia, segundo o Lanius, excelente),
Elisa Henkin, do IEL (entidade que ajuda a engrandecer com sua competência – aguardem o próximo número da Arquipélago!!!!),
a Alda (ex-esposa do autor, que volta aos pagos e pensa em traduzir e dar aulas particulares de alemão e francês – já tem gente na fila)
e os demais alegretenses (estrelas em qualquer quadrante),
Virgínia do Rosário (autora de Serves a quem?..., crítica aos textos utilizados em sala de aula, pelo título já se vê que é coisa boa),
Marcelo Marimon Gonçalves (poeta, presente na coletânea Tubo de Ensaio, outro lançamento do Instituto Cultural José Gervasio Artigas),
Isabel bicca de Queiroga (arquiteta, vencedora do Concurso de Poesia Antônio Milano, há alguns anos, atualmente dedicada à profissão)
e Ayda Judith Bicca de Queiroga (musa deste que vos fala – e basta!).

O bate-papo entre o autor e o apresentador do livro Fabrício Carpinejar (na ocasião, a orelha é de Flávio Tavares), foi muito bom, solto, amigável.
Quanto ao local, que me perdoe o Lanius, mas tem razão a Virgínia, “tem tudo, parece um supermercado”.
Inclusive, o da La Pandorga e a do Durasnal retiraram-se do recinto um pouco antes que os demais por absoluta falta de ar.
Enquanto ela acendia o cigarro e, pronto, já respirávamos melhor, eu acrescentei: “Um supermercado, de fato. Banaliza o livro”. (Quem quiser, pode reproduzir nossas opiniões em algum trabalho acadêmico, desde que citem a fonte.)

E foi isto. Não percam as fotos.


Queiroga, faceiro com seu livro (como lambari na sanga)


O autor e Queiroga, em outro flagrante interessantíssimo

 


Queiroga e seu livro!!!!!

Quando Cicciolina se Casou

Quando Cicciolina Casou QUEIROGA, José Carlos de.
Quando Cicciolina casou, tentei me matar. Alegrete/Porto Alegre, Instituto Cultural José Gervasio Artigas / Ed. Palmarinca, 2005.
Formato 11 x 18 cm, 80 p.
(CRÔNICAS)

Boçal e Soberano
Don Canuto Chili

         Trata-se de um apanhado de crônicas, dentre as tantas que o autor publicou em jornais da região desde o início da década de 80. De graça, diga-se. Jamais conseguiu viver do seu ofício. Aliás, que ofício? Escrever é ofício? Então pensar também é, e outros prosaísmos, como coçar o couro cabeludo, chutar o balão de couro... (Sussurram-me que chutar não só é profissão como rende milhões. Bueno. Antigamente, se jogava com bola de meia...)
         As crônicas são de cinema (e esses termos estrangeiros?! Uma hora assim, outra assado... Não há critério?!...). Quer dizer: mais ou menos. Sempre de quina, foco que o pretensioso julga mais estimulante, chegou a me dizer que “propicia a quem escreve e a quem lê o exercício do voyerismo, que é o que nos une a todos, amantes da sétima arte”. Imagina!... Com a minha idade, se vou me dar ao desfrute...
         “Cicciolina e muitas outras igualmente belas, estrelas que são, iluminam nosso depauperado sonho...”, acrescentou ele, e então pensei na Solange, que fica tomando banho de chuva no meio da rua, louquinha da silva, jura que é pára-raio. Não... Totalmente fora da casinha...
         Por isso, calo-me. Fala, William Saroyan:
         “Quem mexe com palavras tem muita responsabilidade. Não quero dizer a coisa errada. Não quero parecer esperto. Tenho muito medo disso. Nunca fui esperto em toda a minha vida e agora que trabalho em algo ainda mais magnífico que a própria vida, não quero escrever uma única palavra falsa. Há meses que venho dizendo para mim mesmo, ‘Você precisa ser humilde’. Decidi que não perderei meu caráter.”
         Caráter, não se sai anunciando a perda na rádio. Há muitos por aí com a desculpa pronta: achado não é roubado.

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Boçal e Soberano
Don Bagayo y Balurdo

         Dialoguemos. Camilo José Cela:
         “Há parvos com sorte e parvos em desgraça, isto acontece desde que o mundo é mundo e acontecerá sempre. Roquinho Borrén, parvo em desgraça, foi posto por cinco anos em um baú, para que não incomodasse ninguém. (...) A mãe de Roquinho Borrén acha que os parvos não sentem nem sofrem.”
         Data venia, o amigo é um Roquinho. Com sorte, todavia, que já estou entrado em anos, donde não há retorno. Grande erro cometi, aniversariar, se não canto o Parabéns... Ainda assim, a Doroti espera-me perfumada todas as quintas-feiras e, quando vou a Buenos Aires, tenemos (nosotros) una putana por nome Milagros...
        A receita: pega a cobra mansa (tirada do interior do pombo virgem que a engoliu) e seca sua cabeça nas brasas. Junta ao coração do pombo, pisa na mistura e guarda o resultado em um frasco novo. Melhor efeito se, tendo um resto de pó nas mãos, pronunciares: “Izolino Belzebu, canta, galen-se chan-do, próprio xime é goloto”.
        Assim, caro Roquinho, obterás o amor de uma mulher, e das inescrupulosas de que andas precisado. Estando conservado o pó do frasco, a terás inteira. Interessante precaver-se e levar no bolso um outro pó, para ser usado em casos fortuitos ou de força menor, naqueles momentos de grande aflição de que todos nunca estamos livres: o pó de ouro. A fórmula básica: argente vivo, azougue e Resch. São Cipriano é tiro e queda. Lembra que castigou o cão com cinco mil varadas, e das varas boleantes.
         Quanto ao livro, recuso-me a comentar aquilo que, sem bifocal (a estabanada da Shana!), não li. Ademais, os elefantes são por demais sensíveis.

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Boçal e Soberano
Don Virrey Revire

         Criatura de Gepeto, Pinóquio, ao contrário de todos nós, que de Eva nascemos, mãe prestimosa, tem umas que dão um monte de filho, mas, como Eva, não há notícia... Porque Gepeto era um carpinteiro, como o Ungido, mas não fosse a Fada, Pinóquio não mentiria, enquanto que nós... Tenho notado que cada vez há mais narigudos na rua. É narigudo pra tudo quanto é lado, e enxeridos, metendo o bedelho, folga, no nosso dentro. Eu já nem me olho no espelho, facilita...
         Mas este rapaz, pra rapaz já não serve e continua a agir feito um. Acha – repito Don CC – que bater à máquina é profissão. Mudou a máquina, mudou o mercado: quem exige datilografia como requisito empregatício?
         Hoje, sem um bom Quociente Emocional, nem inglês resolve, quanto mais curso de madureza!
         Por isso, não canso de repetir: crônica é que nem poesia, não enche barriga. Tardes mortas, sim, e noites baldias, mas jamais, inteiros, os dias.
         E é como diz o outro:
         “Coitado, pobre de mim,
         Nunca tive Marilyn.
         Só em sonho e sonho não conta
         Quando o negócio é de monta.”

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Crônica Exemplar

Rir

         Fixei uma data que aconteceu só em Hiroshima, Japão: 6 de agosto de 1945. A bomba matou 119 mil pessoas e feriu outras 79 mil, sem contar, porque são incontáveis, os que continuaram a morrer anos afora e as seqüelas mortais deixadas nas gerações seguintes. A bomba matou mais do que os nipo-terremotos e os épicos do Kurosawa.
        “Ainda vamos rir juntos disso”, teria dito uma das vítimas para a outra milésimos de segundos antes de desintegrarem-se. E quando vemos todos bem – Kamikase, Akokada; os gêmeos Uaukitoki e Uaukimen, o grande; a vó Kutuka, mãe de Kasako, linda esposa de Kueka, pai do nissei Samba-Canção... –, quando vemos todos bem, não resistimos e rimos à toa, sonhando que a vida pode mais que a morte.
         (Assim pensamos enquanto estamos vivos e podemos ser generosos, abraçar conceitos latos que nos incluam. Depois de mortos, nos tornamos mesquinhos e perdemos a paciência com o viço irresponsável da humanidade. É o pouco que sei.)
cine hiroshima

Emmanuelle Riva e Eiji Okada em
Hiroshima, Mon Amour (Alain Resnais)

 

 

 

MÍDIA (lançamento em POA)
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ONG de Alegrete toma
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Feira do Livro da capital

Nos últimos 10 dias da Feira do Livro em Porto Alegre, o Instituto Cultural José Gervasio Artigas parece que ocupou todos os espaços disponíveis no maior palco da cultura latinoamericana. Teve quem fez beicinho, “Esses bacudos!”, mas nem ligamos, mantendo a proverbial superioridade da terra de Quintana e Faraco.

Sessões de autógrafos

         Pra começar, a tarde do dia sete último concentrou os nove lançamentos da Coleção Alfonsina (y el mar), reunindo, entre onguistas e exilados da pátria, mais de 100 pessoas, como formigas atrás de doce, no entorno do local dos autógrafos. O pessoal da organização complicou-se deveras, mas ralhamos com eles, ameaçamos com varinhas de marmelo e recolheram-se ao seu coadjuvantismo servil. Sotretas!
         Estiveram lá, só para deixar uruguaianense com raiva: Sérgio Faraco, maior contista brasileiro, Adão Vilaverde, deputado, Eduardo Lanius, jornalista cultural, Nóia Kern, diretora do setor de literatura da Casa de Cultura Mario Quintana, Carlinhos, líder da banda Bidê ou Blade, Jorge Moojen, do Instituto do Patrimônio Histórico da União, Cajinho Moojen, arquiteto e escritor (seu livro sobre patrimônio integrará a próxima coleção da ONG), Fernanda Fontecilla, cientista política chilena (nova integrante do Instituto), André Mitidieri, escritor, Adeítalo Pinho, doutorando em literatura, Marcelo Rocha, doutorando, professor da Urcamp, Marco de Araújo, artista plástico, professor da UFRGS, João Otavio Marques, executivo do programa Luz Para Todos, Marcelo Gonçalves, diretor da APTCEF, Fernanda Reche, jornalista e empresária, Jesus Mulazzani, engenheiro e empresário em Canela, Cleneir Florindo, acadêmica de letras na UFRGS... E por aqui paramos porque cansamos. A bicha dobrava o pavilhão. Foram vendidos livros à tripa-forra! Rui Gonçalves, da Editora Palmarinca, co-responsável pelos lançamentos, entende que foi “Um acontecimento. As pessoas de Porto Alegre não imaginavam que uma cidade pequena do interior tivesse fôlego para tanto”.
         Sérgio Faraco, igualmente impressionado, declarou ao repórter de Novo Hamburgo, Laerte Dornelles: “Tanto a revista como os livros me surpreenderam. Não imaginava que a Tudinha fosse tão boa, tão criativa, não por duvidar da capacidade de quem a faz, mas por achar, equivocadamente, que a cidade não comportava empreendimentos de maior vulto e, por isso, mais dispendiosos”. E assim, cumprimentou a todos pela empreitada.


Rádio e TV

        Não alheios ao barulho do tropel alegretense, a TV E e a Rádio Gaúcha contataram a ONG para que ocupasse alguns dos seus horários mais nobres. Assim, Ana Christello e Lucas Christello Mulazzani, designados para a tarefa de relações públicas do Instituto, apareceram no Programa Radar, da TV E e no Programa do Rui Carlos Ostermann, diretamente do estúdio que a emissora arma na Feira, uma caixa de vidro elegante que junta carradas de gente em volta, dando maior visibilidade ainda aos entrevistados.
         Em ambos os programas, deu a lógica: mãe e filho ofuscaram todos os outros participantes, alguns, inclusive, medalhões da cultura da metade norte, gente podre de empafiosa. Adiantou? Que nada! Quebraram o corincho. A Aninha, com sua loqüacidade objetiva, discorreu sobre a idéia do Instituto, de pronto entendida no seu alcance e elogiada (pois que é de doer de boa!); o Lucas, falou sobre suas leituras, sobre como chegou a editar seu livro de estréia; o Rui babando (do repórter da TV E, nem se fala, mais jovem e tal, ficou meio abichornado, sem palavras diante da magnitude do todo artiguista). Dava pra ver, ouvindo, que o Rui estava babando ao ler alguns dos poemas do guri, nosso orgulho.
         Luciano Lopes, da Atlândida FM, entende que o Instituto “é o maior empreendimento cultural da Metade Sul, ao menos desde que me conheço por gente. Impressionante. Realmente impressionante.” Fernanda Cardozo, jornalista free de Santa Maria, cobrindo a festa para alguns veículos do Alto Uruguai, fez coro: “Impressionante. E olha que eu venho de uma cidade universitária!” Isto é, Fernanda sabe o que é bom. Eliane Rubim, acadêmica de filosofia e uma das autoras, responsável por atividades de sucesso em Pelotas, anuncia que: “Isso não é nada. Aguardem a entrevista que farei com o Ramil”. E refere-se ao Vítor, hem!?, não à dupla gosmenta.

E “bamo que bamo!”

        Não pensem, todavia que a ONG agora entra em férias. Não! Fez-se retumbante encontro em Manoel Viana, servindo de anfitrião o professor Éden Caldas, mui querido dos alegretenses que conviveram com ele no Curso de Letras da antiga Fundação Educacional. Nos próximos dias, Quaraí/Artigas, Uruguaiana/Libres, Salto, cidade uruguaia de grande tradição cultural (terra de Horacio Quiroga) e mais inúmeros frente-a-frente com estudantes das escolas públicas de Alegrete. “Ano que vem”, promete Amália Leites, a presidente da ONG, “começamos o ano já com várias oficinas e serviços culturais à disposição da comunidade”.

FOTOS


Queiroga,
Irmão Rovílio (Patrono da
Feira), Sila e Virgínia
(a máquina digital não era lá essas coisas, então que a foto sai meio pitoca)

 


Sergio Faraco,
grande nome
das letras
nacionais (e alegretense
de carteirinha)

 

Queiroga (onipresente, e
sempre com a mesma camisa, relaxado!), Adeítalo e André Mitidieri, os últimos, Mestres, doutorandos em Literatura (a digital...)

O exibido e Nóia Kern, da Casa de Cultura Mario Quintana (que, aliás, era alegretense)


O autor e Cajinho Moojen, arquiteto (com livro pronto
sobre Patrimônio Histórico)

O autor e a chilena Fernanda, cientista política, nova
companheira de José Artigas


Totoca Dornellles (jornalista)
e Carlinhos,
da banda Bidê ou Balde

 

Fernanda Cardozo e Queiroga (notem a cara de nojo da moça.
É jornalista, historiadora e agora inventou um mestrado – ninguém agüenta)

Gilmar, Virgínia (que, quando moça, deve ter sido bem
bonita), com a mimosa Taís e a sogra da Denise

 

Gilmar, Virgínia, Taís e Jorge Moojen, sempre presente

 

Cabo Marques, engenheiro do Programa Luz Para Todos, e Sila Bicca, autografando

 

Santiago Grillo, artista plástico e webdesigner, também deu uma fugidinha para fazer festa com a turma do Alegrete

 

Sila, Marcelo Gonçalves
(o Gordo) e Fernanda Reche, empresária (do Gordo, nos
torneios de sumô)

O Gordo levando um papo numa boa com a presidente,
Amália Cardona Leites

O grande meia-esquerda Toninho Mulazzaina desceu de Canela para o evento

 

Eliane Rubim e o Buda (recém descido do Nirvana, Mariano Pinto onde reside)

 

Aninha, Lucas e Beatriz com Rui Carlos Ostermann. Aninha e Lucas arrasaram
no programa
do dia 08/11

 

Aninha Christello e Lucas,
dando uma canja para o pessoal da TV E

 

MÍDIA (repercussão em Alegrete)
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ONG José Artigas
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lota salas do MAARA

        Dia 11 de outubro, lá pelas 19h30min, começou a juntar gente numa das esquinas da praça Getúlio Vargas, em Alegrete. Terra vaqueana em revoluções, pensou-se: “Oba!” E, de oba em oba, formou-se uma multidão. Mais de 200 pessoas tentavam entrar no Museu de Arqueologia e Artes de Alegrete para presenciar o lançamento oficial do Instituto Cultural José Gervasio Artigas. Mas, do empurra-empurra, todos se salvaram, graças a Deus!

Gente (e não de matéria-plástica!)

         O José Artigas é uma entidade não-governamental que busca a aproximação entre gauchos e gaúchos, rio-grandenses, uruguaios e argentinos que beberam e bebem da mesma cacimba, gente nitidamente original, no contraste com esses de matéria-plástica das metrópoles. Os professores Carlos Roberto Leães e Vera Álvarez da Cunha foram os anfitriões do evento, um sucesso, por todos os ângulos que se queira olhar. Só para darmos uma idéia, em contraponto aos faceiros que participaram da festa, boas dezenas de invejosos, talvez mais de centena, mordiam-se escondidos nos cantos escuros da sordidez. O pessoal do Instituto até pensou em encomendar antiofídicos, mas Laerte Dorneles, um dos presentes, cartesiano, disse: “Não”. E, como está com quase 150 quilos, todos os demais assentiram.
         O casarão da praça reuniu o lançamento com sessão de autógrafos de nove livros de autores locais, que constituem a Coleção Alfonsina (y el mar), a distribuição da Revista Tudinha, órgão de divulgação do Instituto, e uma exposição de pinturas.

A Coleção de Livros

         Super eclética, como a Alfonsina da qual empresta o nome, a coleção tem o Tubo de Ensaio (prosa/poesia), Antologia da Oficina de Literatura do Colégio Estadual Emílio Zuñeda; Ruído (poesia), de Amália Cardona Leites; Nadar de costas (poesia), de Ana Christello; O não-dito (poesia), de Eliane Rubim; A velha do gato (prosa/poesia), de Lucas Christello Mulazzani; Pasto (poesia), de Russel Vaz Moraes; Carpintaria e outras farpas de pelúcia (prosa/poesia), de Sila Silveira Bicca; ...Serves a quem? (análise da ideologia de textos gramaticais), de Virgínia do Rosário, e Quando Cicciolina casou, tentei me matar (crônicas), de José Carlos Queiroga.

         Queiroga, editor da Coleção, destaca o livro de Lucas Christello Mulazzani, “muito melhor do que os caça-níqueis que alguns barbados fazem para as crianças, confundindo-as com retardados”. Mas enfatiza a qualidade do conjunto: “É que nem escola de samba, acaba impressionando mais o conjunto, mas, percebam, o Conselheiro Acácio já dizia, qualquer conjunto é constituído de partes e aí é que fica o busílis”. Arli Rubim, vice-presidente do Instituto, concorda e vai além: “as partes, inclusive as pudendas é que constituem o todo”. De fato, não há como negar.

A Revista

          Tudinha é o nome dela, em homenagem à Tudinha, heroína de O negro Bonifácio, conto de Simões Lopes Neto que acaba com a castração do dito-cujo pela dita-cuja. Além de bom, o texto serve de alerta aos varões.
          O número inicial tem de tudo, até coisa ruim (que nenhum dos membros quis apontar, temendo magoar a si próprio, que, todo mundo sabe, é a maior das feridas). De bom, as entrevistas, com destaque para a do escritor alegretense Sergio Faraco e a do músico Marcelo Yuca, além dos textos acadêmicos e das reportagens de viagem. A matéria de Adriana Veríssimo, relacionando o bom entendimento entre as crianças e o cavalo crioulo também foi bastante elogiada.
         A partir de 2006, a revista será trimestral, e, a julgar pelos textos que já estão chegando, a número um superará por focinho a número zero. Contentem-se com esta, todavia, pois a próxima só em fins de março. (Da exposição de pinturas, falamos na pasta Borrões – e calha o nome!)

FOTOS

Museu MAARA

O Museu abarrotado (foto Marco Santierri)

 


Carlos Roberto Leães (à direita), o anfitrião, Diretor do MAARA,
e nossa presidente, Amália Cardona Leites, prestes a ter um ataque

 


Grupo atento aos discursos (breves e belos) feitos no MAARA. Destaque para a mocinha do meio, com vestido de cigana, Isabel Queiroga, arquiteta, e para a escritora Vannice Arraes Ramos, bem à direita


Blanca Queiroga, cantora vinda de Porto Alegre especialmente para interpretar, de Félix Luna e Ariel Ramírez, Alfonsina y el Mar

 


Autores autografando: Zezinho, Aninha, Lucas, Sila e Eliane

 


Liliane e Arli (no mercado persa)

 


Grupo sorridente na Livraria Café com Letras. Da esquerda para a direita, sentados: Fernando Pérez, Aninha Christello, Amália Leites, Virgínia do Rosário, Eliane Rubim e Zezinho Queiroga. Em pé: Angélica Pessoa, Russel Moraes, Arli Rubim, Sila Bicca e Gilmar Martins
(Foto Marco Santierri)

 


Ambiente de livraria: finalmente Alegrete tem uma, de LIVROS!
(Foto Marco Santierri)

 

E A ONG NÃO DEIXA A PETECA CAIR
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ONG de Alegrete ultrapassa
barrafronteiras regionais e nacionais
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em seus lançamentos

         O Instituto José Artigas, depois de dar de relho na concorrência em Porto Alegre (quem ouviu o programa do Ruy inteiro no dia em que a Aninha e o Lucas lá estiveram deve ter ficado com ao menos duas idéias na mente: 1) “que coisa linda esse pessoal do Alegrete está fazendo, e como são bons esses dois”; 2) “meu Deus, é de constranger a limitação desses outros da capital e, em contrapartida, cheios de si... aquela, só mia, e a outra...”), de relho! De vir à lembrança o poema do sapão tanoeiro, e isto que ainda estamos no início do século, certo, mas de outro século, outro milênio.

Mas não gastemos pólvora em chimango

         Logo após Porto Alegre, foi a vez de Manoel Viana, cidadezinha pequenina à beira do Ibicuí, que tem praias mais aprazíveis que as de toda a costa do litoral gaúcho, incluindo Torres, e as de muita enseada catarina, aqueles matos do Ibicuí, aquelas areias finas, só quem nunca viu pra duvidar... Cuê puxa!... Então que, em Manoel Viana, o professor Éden Caldas montou toda uma estrutura para receber a ONG, em um evento que contou com a presença de autoridades locais e de vários alunos das escolas interessados em conhecer o trabalho do ICJGA e os livros da coleção.
         Porque, tomem tenência, não é por ser novo e tal que o município vai deixar de perceber quando a coisa é boa. Ao contrário: por novo, não tem os vícios dos antigos (e, cá entre nós, o que têm de viciosos alguns desses antigos, quanto maior, pior, mais risco de ser coalhado de gringo). Uma beleza! Vamos voltar ano que vem, e com oficinas fixas. Aguardem.

Oswaldo Aranha honra Oswaldo Aranha

         De volta ao Alegrete, e seguindo com seu objetivo de realizar eventos com autor-presente nas escolas, a ONG esteve no Emílio Zuñeda, Lauro Dornelles, Divino Coração e Instituto de Educação Oswaldo Aranha. Deste último, recebeu a maior homenagem prestada até agora a um de seus autores, quando alunos de 5ª a 8ª séries apresentaram vários projetos baseados no livro destaque da coleção, o do jovem Lucas Christello, A velha do gato. Houve desde teatro com encenação dos contos e declamação dos hai-kais até a entrega de um livro feito pelos próprios alunos ilustrando as histórias de Lucas. O empenho e a dedicação da direção, professores e alunos neste evento demonstra um trabalho de verdadeira valorização do que é da terra, de seus artistas e de suas iniciativas – digno do ilustre que dá nome à escola.
        Na próxima semana, o ICJGA estará presente na Feira do Livro de Uruguaiana e na 9ª edição da Redota, festividade uruguaia realizada na cidade de Salto que relembra o êxodo de José Artigas e seu povo. Em breve, projetos novos serão formatados, para começar o ano com vários serviços culturais à disposição da comunidade.

 

 


Autor-presente na Escola Lauro Dornelles: pela atenção da gurizada, dá pra ver que gostaram


E não só a gurizada gostou: Amália, Lucas e Aninha, cercados pelas duas “profis”
responsáveis pelo encontro, canjicas à mostra

 

 

tratado Ontologico

Tratado Ontologico Acerca das Bolas do Boi
QUEIROGA, José Carlos de.
Tratado Ontológico Acerca das Bolas
do Boi
. Passo Fundo, Ed. Méritos, 2004.
Formato 18 x 24,5 cm, 524 p.
(ROMANCE)

 

Uma síntese dialética
do mundo gaucho

Marcelo Backes*

Tratado ontológico acerca das bolas do boi, de José Carlos Queiroga, é um romance grandioso, tanto física quanto metafisicamente. Tem bem mais de quinhentas páginas em formato imenso e qualidade equiparável à melhor produção literária do Brasil contemporâneo (falo de autores como Francisco Dantas, do nordeste, Luiz Ruffato, de Minas, e Sergio Faraco, do mesmo Alegrete de Queiroga). Na obra, o autor de Viagem aos mares do sul, romance, e Bazar, poesia, consegue superar a si mesmo no humor, apresentando uma cosmogonia do mundo pampiano, debatida literária, filosófica, sociológica, histórica e geograficamente, pelo menos...
O centro da narrativa é ocupado por Otacílio, o gaúcho sem propriedade dos dias de hoje, assim como Sirley era o gaúcho proprietário em Viagem... Ambos são gaúchos depois do gaúcho a pé. O problema de Otacílio – que vive em busca de “algún algo pela cidade que não é sua, hombre del campo, del llano, um vago, afinal, vagando” – é o cavalo e os apetrechos da pilcha que ele não tem; os adornos sagrados para o desfile de 20 de setembro, esse suspiro artificial de uma tradição moribunda, do qual ele quer participar a todo custo. Em sua busca desesperada, Otacílio inclusive lembra o Naziazeno de Dionélio buscando um jeito de pagar a dívida com o leiteiro. O fim de Otacílio, no entanto, é bem mais trágico, bem mais patético.
Nos arredores desse causo principal, Queiroga constrói todo um mundo de gentes e contos. São histórias inteiras nas notas de rodapé – desvios de ensaísta, picadas de contador, veredas de causista – e mesmo no interior da narrativa; mas, assim como em Montaigne, sempre voltamos mais ricos à estrada principal. O autor é, nesse sentido, um Simões Lopes Neto reunindo causos, e ilumina o mundo de seu livro bruxuleando, como o candeeiro – a metáfora é do próprio Queiroga –, deitando luz ora sobre isso ora sobre aquilo, procedendo, em suma, como numa campereada, e laçando um boi de estória aqui, outro ali, conforme a chance e a beleza do animal. O narrador chega a dizer, a certa altura, pedindo desculpas: “A charla se espicha e parece que estamos parando rodeio, em círculos, sem sair do lugar – fazendo lama, apenas, apenas lama.”
Queiroga é, assim, borgiano às últimas conseqüências – e maganão ainda por cima; ver, por exemplo, a ERRATA que mete lá pelo meio do livro, mais confundindo que ajudando. O autor passa o mundo inteiro no fio crítico de seu facão analítico; a realidade é onipresente, tanto aquela que o rodeia quanto a do mundo distante. O universo vira texto e o autor parece ter lido tudo, ter visto tudo e tudo tem a ver com seu assunto. Ele inclusive especula acerca da própria herança, e José Carlos Fernández de Queiroga torna-se herdeiro direto de José Hernández e de Facundo Quiroga; empunhando a bandeira de Martín Fierro, ele desce o cacete da ironia sobre Sarmiento e os de sua laia, não sem rir de si mesmo, siempre...
O narrador principal do Tratado é um temulento do orgulho, o bebum de seu próprio passado. Ele assume – muitas vezes ironicamente – a causa do narrado, apossando-se da linguagem de seus personagens. É um narrador-nós, um professor homérico – é Homero confessando sua “obra coletiva” – com os alunos em volta, ensinando a vida e a literatura, a vida através da literatura, a vida! E com um Instituto Cultural inteiro – mesa de debates, antro de discussões – a lhe dar apoio: o IC, um ic! soluçante, cujos membros insistem em meter o bedelho no tema e na linguagem do narrador. E este argumenta – e documenta – usando Deus e o mundo, inclusive a contradição, para provar que o gaúcho é o monarca das coxilhas, o grandalhão do mundo. Seu assunto – e aí ele volta a lembrar Viagem... – é o centauro degolado de sua parte inferior, que sem cavalo já não pode mais explorar a liberdade infinda do pampa, a vertigem do horizonte; um que ainda insiste em dominar o mundo e a natureza no grito. É o gaúcho obrigado à lavoura, largado da vida campeira, aquele que no lugar em que um dia navegou a cabeça de Gumercindo Saraiva hoje vê boiar um sofá feito barco, roubado pela piazada pobre numa loja que pegou fogo. E se o narrador fala é porque todo mundo calou durante muito tempo; e ele estende a charla, preocupado com o barco da narrativa – à deriva. E se declara desesperado! E diz que está se consumindo, à deriva, como o homem na canoa – é o conto de outro Quiroga –, picado pela cobra do passado...
O universo queiroguiano – que recupera personagens de obras anteriores, como o já citado Syrlei, ainda louco pela Quelem – é fronteiriço, mas passeia pelo mundo a fora e por todas as línguas, ainda que se concentre no pampa, o lugar em que o espanhol e o brasileiro se fundem, e o Gumercindo pode ser Saraiva ou Sarabia ou Saravia. Mas Queiroga não fica no regionalismo, na linguagem de talhe lunfardesco e na filosofia acaciana de Don Bagayo y Balurdo (os nomes significam; e balurdo, por exemplo, é algo como “embuste, confusão” em lunfardo), mas chega também ao inglês de alguma cocota ou ao latim rudo do Dr. Vazulmiro.
O romance de Queiroga é um livro no qual tudo parece excessivo, mas tudo é adequado; o leitor logo logo descobrirá até mesmo o método cheio de armadilhas do autor e poderá deixar de lado a parte “teórica” da obra. O caráter dispersivo do narrador apenas reflete um mundo sem metas nem referências, que ainda por cima lança fogos de artifício aos céus vagos do presente para comemorar sua própria falta de orientação. O humor é profundo, profundo; a gente sente a dor do sorriso entalado na garganta ao ler várias das passagens do romance. Quando o humor se torna violento – na sátira – nem Bento Gonçalves, nem o diabo e muito menos Deus escapam. Há cacetadas escondidas e declaradas pela obra inteira. A tradição gaúcha – real, construída e inventada – é dissecada de cabo a rabo. Manoel Canho, por exemplo, é condenado à pior das mortes no tribunal pampiano do autor. Nem dom Dadeus se safa... Queiroga não perdoa nem parente, dá nomes aos bois e mais um par de chicotadas por cima. Tem a fúria de um Thomas Bernhard da campanha; escreve com ódio, escreve para não matar, e isso só um artista genuíno – da estirpe do recém-citado austríaco ou do alegretense em caso – é capaz de fazer. Quando a coisa fica cabeluda demais, ele aplica o “tachismo” e inclusive o “tachismo” duplo, chamando – é a ironia – ainda mais atenção ao texto ao invés de escondê-lo. E ainda tem gente que ousa afirmar que não existe combate na literatura brasileira!
O Tratado de Queiroga é um romance-tese que, mesmo em sua parte histórico-analítica, dá um baile nos resultados obtidos em teses universitárias. Além da tese fundamental, das citações e das notas de rodapé, divide-se formalmente em títulos e subtítulos e subsubtítulos e subsubsubtítulos, carnavalizando a seriedade da forma acadêmica. E o autor é conseqüente, crítico, materialista, dialético, tem noção profunda do mundo que o rodeia. Ele vê e assimila tudo – sua história lembra um pouco, estilisticamente, o Rosas do Brasil de Sérgio Schäffer –, ensaiando sobre a história, a sociologia e a literatura do Rio Grande do Sul. O anacronismo da luta quixotesca do gaúcho está todo lá – o grito da metade sul do Estado é universal porque é, também, o grito identitário do sul da Itália, é o grito do basco, do corso e do irlandês –, mais a discussão filosófica acerca da ontologia gaucha e a análise profunda de problemas essenciais como o dos sem-terra. A obra de Queiroga é, nesse sentido – mais que um romance-tese –, um romance-tudo, a síntese do mundo gaucho, em forma e conteúdo.

* Marcelo Backes é doutor em Germanística e Romanística pela Universidade de Freiburg e professor de Tradução e Literatura Brasileira na mesma universidade; é autor de A arte do combate (Boitempo, 2003) e trabalha num livro sobre a literatura brasileira contemporânea.

































O gaúcho depois do a pé

Marcelo Backes

Introdução
Coisa das mais complicadas é inserir uma obra sul-rio-grandense na tradição da Literatura Brasileira. Geralmente ela dialoga apenas com os seus botões, invoca e devassa a história de seu próprio umbigo e faz do mundo uma porção de terra em volta do... Alegrete. Pois é justo do Alegrete que vem um livro, que fala, sim, com seus botões e furunga em seu próprio umbigo, mas com o significativo acréscimo de fazê-lo – em termos não só de postura, mas também de linguagem – de um jeito novo. E é exatamente esse “jeito novo”, de vanguarda, que tão poucas vezes a literatura daqui assumiu – numa delas com Simões Lopes Neto –, que torna Viagem aos Mares do Sul, de José Carlos Queiroga, um romance peculiar no âmbito da literatura sul-rio-grandense.

Algumas razões que particularizam a obra

1. Quando a mui famosa trilogia de Cyro Martins foi denominada de “trilogia do gaúcho a pé”, o Rio Grande do Sul teve sua última grande – e assim mais nitidamente evidente – descrição de situação. De quebra, uma obra recebia uma das mais bem definidas etiquetas classificatórias da literatura universal. O “gaúcho a pé” era uma denominação tão acurada que falava por si, e qualquer que tivesse um pouco mais de tutano, mesmo sem ter lido Sem rumo, Porteira fechada e Estrada nova, sabia do que se estava falando. Depois disso, não houve nenhuma obra ou autor que buscasse – de maneira programática, pelo menos – o objetivo de determinar a situação pela qual o Rio Grande – e especificamente a região da Campanha, que é o mais Rio Grande dos Rio Grandes – passava. Antes de Viagem aos Mares do Sul de José Carlos Queiroga.

2. A literatura contemporânea – a do Rio Grande do Sul e a de fora também – padece de um problema básico e essencial. Ou as obras, e autores em geral, têm um enredo bem talhado e uma linguagem apenas comum – caso evidente de vários de nossos autores –, ou têm uma linguagem vigorosa e um enredo claudicante – caso em que o exemplo mais bem acabado é Assim na terra de Luís Sérgio Metz. Muito poucos, entre eles Sergio Faraco, Aldyr Garcia Schlee e Sinval Medina, preenchem de maneira amplamente satisfatória as duas necessidades. É entre os últimos que Viagem aos Mares do Sul de José Carlos Queiroga toma parte.

3. Há pouco tempo uma conhecida revista do Rio Grande do Sul (Aplauso) convidou dez críticos a elegerem os cinco maiores escritores gaúchos de todos os tempos. Entre eles havia – talvez não por coincidência – quatro representantes da metade sul do Estado (Simões Lopes Neto, Dyonélio Machado, Mario Quintana e Sergio Faraco, o único vivo). Aquela que, falemos claro, é a única região – ou pelo menos a mais – rigorosamente gaúcha, aquela que não precisou se ocupar por tanto tempo no cabo da enxada, que foi a primeira a tornar-se citadina e cosmopolita e estava mais versada na língua do que as regiões da serra e missões, basicamente imigrantes, deu ao Rio Grande do Sul – e não só na área literária – seus maiores artistas. E é da metade sul que vem José Carlos Queiroga, autor de Viagem aos Mares do Sul.

4. A tradição da literatura gaúcha poucas vezes assumiu posição de proa na literatura nacional, e os movimentos vanguardistas importantes do Brasil foram os que menos ecoaram por aqui. Até em termos de linguagem, a literatura gaúcha sempre foi conservadora, enquanto a temática foi basicamente social ou histórica. E é dentro dessa tradição social e histórica, mas com acréscimos significativos de linguagem e uma postura crítica frente ao que é consenso em termos de narrativa – até nacional –, que se situa Viagem aos Mares do Sul de José Carlos Queiroga.

Que é do romance?
Viagem aos Mares do Sul narra as experiências dolorosas de um estudante de Agronomia da capital, de volta – é a viagem física – aos mares verdes do sul do Brasil, haventes e ficantes na região da Campanha. Enquanto experimenta a vida desolada do interior, o estudante viaja – mentalmente – aos Mares do Sul azuis e geográficos, Taiti e que tais, pensando em gozar do mundo o que o mundo tem de melhor, aquilo que ele jamais teve oportunidade de provar.
O estudante é Sirley, e renega a tradição heróica e cheia de hombridade do gaúcho até no nome, herdado, junto com alguns faniquitos periódicos, de uma tia enjoada.
Meio pícaro, mas patético, até trágico às vezes, Sirley acredita ser “o único ser humano que sangra quando ri” e nem tem a coragem final do suicídio. Apenas sofre, passivamente, sentindo saudades da mãe, saudades do ventre, do passado arcaico, que não impunha tanta cobrança e fazia a vida mais fácil.
O romance tem os ingredientes do conflito pessoal e amoroso e a ação paralela de um crime – meio postiça, seja dito – que reflete toda a conveniência e a podridão societária. Sirley vive, inclusive, a perda dolorosa de Quelem – a bela idiota – para um taludo e bem-apossado amigo. O “herói” chega a fazer umas tantas chantagens adolescentes típicas – facilitando o processo de identificação – e bebe para comover a moça que perdeu, “com a vã esperança de que alguém o veja e o fogo acabe incendiando os ouvidos dela.” As perdas pessoais são unidas às perdas abrangentes da família – velhos “gigolôs de boi”, segundo determinava a tradição agropastoril –, empobrecida e jogada às traças do abandono. A decadência do homem é referendada pela decadência do lugar, e tudo em volta desmorona.
O romance é, todo ele, uma volúpia de linguagem, e há trechos poéticos inteiros, não deslocados, sempre a respaldar o enredo. Vide se não:
Pouco, se comparado com Rio Pardo: 1.300 mortos e vitória dos livres de Neto, que fizeram 700 prisioneiros. Seival, Funchal, Cerca de Pedra, portentosas sílabas do hino pátrio, bocas-de-fogo canoras, quero-queros cívicos ribombando no porongo da cabeça. Telurismos, canha buena... Quem já ouviu um umbu crescer? Pois ele forceja, agarrando-se à terra. Ele canta quando toca o minuano e o gado se achega mugindo, fazendo paradouro sob o agasalho de galhos.
Por vezes, a crueza é grande, mas o vigor continua:
Os lábios de Quelem chupam o falo ereto, sugam o líquido quente do Pepe? Ou apenas, como todos, a cadela sorve a telúrica bebida, mais amarga para algum que para outros? De igual, só o efeito diurético e as inevitáveis incursões ao banheiro. Pois aquela menina linda, longilínea, com seus gadelhos negros bolinando o pescoço de Modigliani, despega do sofá a alva bunda e desfila em ovos no tapete vacum na direção de Sirley – o jeans, no entrepernas, esgaçando os gomos de dulcíssima fruta –, desvia-se dele e vai por sua vez ao vaso, verter daquele suco. O ruído caudaloso da urina na água é quase obsceno, corando o diletante, que, para abafá-lo, protegendo a vagina da amada das imaginações lúbricas dos convivas, enche a cabeça oca de pensamentos: será que ela se limpa passando o papel de trás para a frente?
O vigor é constante, e perdura até quando o narrador apela. É o que acontece quando chama ao modernoso relógio digital de: “o pra quem não sabe ver as horas”, e quando fala dos “closápicos dentes” da Quelem, esse nome americano abrasileirado no profundo – supostamente vem de Kelly –, que serve para mostrar um mundo devassado, no pior sentido, pela globalização.
A situação decrépita do interior é desvelada em toda sua intensidade. A pobreza – cultural, social e econômica – impera. Na crônica social vigem as idiotices deslavadas e melosas e os nascimentos de Jânifers e Maiquels, mostrando o que há de pior na globalização; uma rádio evangélica, que enche os ouvidos, acabou com o que tinha de cinema... Aliás, a divisa que a sociedade adota é P.I.G. (Prosperidade, Integridade e Grandeza) e o inglês do fundo grita, evidenciando a hipocrisia, que é total e dominante.
A crítica à hipocrisia chega a ser herética às vezes e o narrador diz:
Com as mulheres, que por alguma razão são mais generosas nos gestos do que os homens, geralmente ocorre um fenômeno interessante: vão eretas na bicha, mas quando abocanham a biotônica redondilha [a hóstia, fique claro] automaticamente pendem a cabeça para o lado, como se um mecanismo no pescoço – mola, elástico – tivesse cedido e, semi-desnucadas, voltam aos seus lugares, mãos postas, saias abaixo dos joelhos, em curiosa performance beatífica.
O ambiente geral do romance é dos mais universais. Ele expressa uma espécie de desconsolo, de desarranjo total. O mundo ficcional é envolto num torvelinho, de nem se saber direito, às vezes, por onde e para onde a coisa vai. Se há referências eruditas a Modigliani, que é como parece o pescoço da Quelem, há outras bem populares a uma novela em curso e alguma erudição torta, como a referência ao escritor – um tal de Nafta – que também tem sérias dissenções com o pai. Tudo adequado ao momento da narração e usado para respaldar o enredo e pintar melhor os personagens.
Quando o personagem filosofa, o narrador se assume crítico e diz que as contingências de espaço e situação – solidão, estrada erma, silêncio leve do outono – justificam a filosofia. Até porque os abastados do Alegrete e arredores foram mui cosmopolitas – inclusive em termos de literatura – um dia.
José Carlos Queiroga, o autor, não se apresenta anacrônico, não se afasta do tempo, não proclama simplesmente seu desajuste em relação ao mundo, ou se diz insatisfeito com o rumo que ele vai levando, afetando nostalgia e saudade. Até refere e estuda o passado, o tempo das “vacas gordas” – conotativas e denotativas –, mas apenas no sentido de fazer um diagnóstico mais preciso do presente. A tradição está longe, a lembrança é quase uma impostura, e o personagem que vive hoje sente “saudades de um tempo que não viveu.” Quando pensa no centauro heróico dos pampas, revive a glória de maneira patética e esmaga uma mosca tonta que o incomodava com um sonoro tapa. A belicosidade da luta armada é ativada para matar uma mosca que lhe vai pela cara suja.
No mais é um hiper-realismo borbulhante, quente, não viciado no virtualismo frio do mundo, de que padece grande parte da literatura atual. O romance sente nos profundos, mexe na vertente. O realismo adentra o naturalismo às vezes – vide a cena da defecação, que respalda o ato de um que é tão desvirtuado a ponto de deslocar para a traseira a grandeza das partes frontais –, afinal, essa é uma literatura sem concessões, que não afaga, mas agride, na qual o feio domina e a decadência ferve e nauseia. Tudo é decrépito, os cupins perseveram em seu trabalho, “o ratão rói, a vida rui.”

Conclusão
Viagem aos Mares do Sul é a mais apurada descrição da situação campeira contemporânea, tem enredo e linguagem vigorosos e é universal na abrangência dos temas e nas situações vividas pelo personagem.
De lambuja, Sirley e seus desarrumos preenchem uma velha categoria literária, quase esquecida hoje em dia, e atam o nó em nossa garganta, soqueiam nosso estômago e causam arrepios na espinha da gente.
A favor da velha prescrição homérica, os filhos vão nascendo piores que os pais e há muito que se vivem tempos decadentes. O velho Nunes, pai de Sirley, já é um algoz da herança campeira, e torna evidente que nem o passado é tão heróico, pois foi construído sobre o contrabando e o roubo. Apolítico e vagabundo, é um tipo baixo e magro, tem pernas curtas e arqueadas – moldando o cavalo ancestral – e braços distantes do corpo, como que carregando as mãos. Mas já não tem estofo de centauro dos pampas, nem coragem para tal. A miséria econômica, social e amputar – compulsoriamente – a parte inferior do centauro.
Sirley, seu filho, um sujeito deslocado, individualista, conformado, por vezes atacado de uns fulgores de rebeldia a-crítica e inativa, herda de seu pai todas as suas misérias e vai a pé como ele. Mas, de acréscimo, leva na cacunda todos os piores vícios de um mundo globalizado. É o gaúcho depois do a pé, ainda a pé, mas vitimado por todas as mazelas universais: um sujeito esfacelado não apenas dentro da tradição, mas dentro do vasto mundo que o rodeia e invadiu sempre no pior sentido – inclusive o seu recôndito Alegrete.

(Marcelo Backes é Doutor em Letras.
–Ensaio introdutório ao livro.)





Muita bobagem se tem dito e escrito a respeito da poesia. É inegável que esta maneira efeminada de colocar as idéias, sem aproveitar o espaço inteiro das páginas, contribui muito mais para a devastação de nossas florestas do que para a elevação do espírito. Pela enésima vez: o espírito não se eleva, pois que não tendo corpo, onde o apoio propulsor? Mas este rapaz, o Queiroga, foi meu aluno, e, não adianta, sempre voando. Pergunto: como, voando? Como, se não pode nem com a somente idéia de um avião, se esterca todo? Por isso, e como incentivo, não me incomoda tornar público que gosto de uma que outra de suas tentativas em Bazar: de Fado (“Não me mato / porque tenho medo / do mato escuro / da morte...”), de Da tumba (“Volteis a rir e a cuidar do vosso viço / Pois a morte já comigo nada pode / E é ainda um vosso compromisso”), de PIB (“A transa máquina / fuçando-fuçada / fuc-fuc acelerada / em sua busca automática / fuça busca até que acha / e não se sabe o que acha / se dor, se o que sorri são lágrimas / não fosse máquina”). Se o guri tem futuro? Bueno. O futuro a Deus pertence, mas, como todos sabem, não acredito neste entidade sobrenatural e cabeluda. (Don Bagayo y Balurdo, Sospecha, Dezembro 1990.)

 

José Carlos Fernández Queiroga © 2004 - www.lapandorga.com.br
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