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mar adentro

barato quase dado

queirogaEm 96, Lucien Sfez, cientista político francês, em entrevista a Juremir Machado da Silva, percebia um “estado febril”, a “paixão” que a Internet despertava por aqui, diferentemente do que acontecia na Europa, “a não ser entre os especialistas em informática”, daí o título, exato, da matéria: “A Internet é uma febre tropical”.
Preconceituoso, este Lucien, a lembrar-nos aquele velho filósofo do sábio mundo para quem era impossível uma civilização nos trópicos.
É bem verdade que a Metade Sul do Rio Grande, o pampa, nossa porção da Patria Gaucha não é exatamente “tropical”, tampouco terceiromundista – porque, todos sabem e respeitam, o centauro não é deste mundinho que confinam no dia-a-dia, nossa medida são as eras, assim é que era, pra que mudar?, em time que tá ganhando não se mexe, “Aquece aí Meleca!”, “Bá, pfessô! Tomei uns vinho branco onte...”, “Não te fresqueia, entra e cai na área!”, e não se mexe mesmo, o Meleca só faz número –, então que pára aí! Mas aceitamos, ad argumentun, que não somos ricos do jeito que esses finórios são, perfumistas e tal, pra engambelar o nariz dos outros com tanto relaxamento. A gente é pobre, louco de pobre. Só temos a redoma inteira, universal, do melhor pasto, o bicho faceiro nos folgados da bombacha – te acalma, matungo! –, a liberdade de cagar no mato e as patas céleres do que somos ca’alo. Só.
Adargumentando, então, nosotros, vá que seja, nos fazemos de mortos – como esses da Costa do Marfim e do Vietnã com quem Lucien nos acolherou “arbitrariamente, dado que atuo sozinho e não sou Deus”, com apenas a intenção, dizia ele, de trabalhar nos três continentes onde se amontoam os subdesenvolvidos –, já que o homem não é Deus, embora pareça, a corja toda, os deuses, se parecem, empafiosos, e por quê? De barro também somos – o gaucho, completo, bem filho do pai Adão; as prendas, da costela minga, mais vilzinhas, coitadas, rachadoiras –, e estátua, até o Meleca co’a quica – “E agora, pfessô, caio ô diblo?”, “Faz o gol, imundícia! Tá sem goleiro, podre!” –, encharcado, gambeteia, se preciso, dá um bico pelo meio e pronto, que era vidro e se quebrou. Bobalhão. Resumindo: esses empinados são tudo molières.
O caso é que aqui em Nova Hereford, progressista e secreta – temos muitos badrízios e o Bush encasquetou com os próximos – comunidade lindeira de Alegrete, Uruguaiana – cusp! –, Quaraí e a puta-que-pariu, aqui ninguém sentiu nenhuma “paixão” pelo troço, ninguém padeceu do tal “estado febril” pela Internet, que até, como diz a Maria Escolástica, “é coisa do demônio”, e tem razão. Os comerciantes chegavam e ofereciam, educados – e falsos, como são falsos os pouca-bóia! –, “Agora temos acesso à Rede...”, “Por mim...”, “Tecnologia de ponta...”, “Por mim...”, ninguém dava pelota. Em 96, então, bá! Nem sabemos ao certo – porque contamos o tempo em eras – se a Apolo 11... Aliás, grossa mentira, tudo produzido em Hollywood, como a Las Vegas do Coppola, se vai atrás da Nasstassja e cadê ?, charlatães!, o jogo é todo viciado.
Então, esta página só existe porque o Marcelo M. Gonçalves me ligou de Porto Alegre e disse, “Tu tem que ter um domínio, che, vou providenciar pra ti”, eu, “Tá”.
Minha mãe me emprestou uns pilas aí, paguei e, não passou uma semana, me chamaram na repartição, “Bom dia”, “Bom dia”, educadíssimo, “O que pretendes com o teu domínio na Internet?”, “Não sei”, “Como não sabe? O senhor não pagou pelo direito de ter um domínio na Internet?”, “Pedi emprestado... Paguei, não devo nada, tá tudo em dia”, nessas coisas de dinheiro, somos honestos barbaridade, “Então, como é que o senhor não sabe? O senhor está brincando comigo?”, imagina, desde pequeno, sempre só brinquei com gente conhecida e aquela, nunca tinha visto mais gorda, “Imagina...”, “O senhor paga pelo domínio e nem sabe o que é? Onde estamos?”, “Em Nova Hereford, senhora. Não vá me dizer que veio no noturno? Ah, porque se veio, os motoristas param um pouquinho nas paradas e, azar de quem pegou no sono. Se seu destino era outro...”, “Ora, senhor, chega de bobagem...”, e assim nos fomos. A mulher não queria entender que tinha que perguntar pro Marcelo, ora, como é que eu ia mentir?! Se não sabia, não sabia.
Mas agora, sei.
Esta página, La Pandorga, é absolutamente falsa – no sentido comercial, me refiro –, ou seja, existe apenas pra vender. E, o pior, pra me vender. E, o horrível do pior, barato, quase dado. Se continuo a pedir emprestado pra minha mãe, qualquer dia seco a velhinha (“Mentira!”, ouço-a, “tenho sessenta e poucos”), não me nega nada, ainda agora me resolveu uns pepinos que Deus te livre!
Então que ofereço-me:
 escrevo crônicas, diárias, se preciso, duas ou três por dia, se necessário, ao preço de uma, sobre qualquer assunto (que não as matemáticas e as físicas, químicas, biológicas...);
 tenho um livro de poesias publicado, Bazar, IEL/Igel, 90 (um prêmio mencionável, o Simões Lopes Neto), assim que faço poesia por encomenda, com rima, sem rima, com qualquer pé, sem pé nenhum (mas, asseguro, com cabeça), exaltando efemérides, mulher amada, homem (faço qualquer negócio), ou baixando a lenha, não escolho tema, disponham, estou às ordens;
 tenho um romance publicado, Viagem aos Mares do Sul, Mercado Aberto, 99 (premiado, com o Cidade de Belo Horizonte), além de outros dois escritos, à espera de editor, um terceiro encaminhado e duas novelas (uma de detetive!) quase prontas, usem-me, sou rápido;
 traduzi o Lazarillo de Tormes e, bueno, está pronto, basta publicar, quem vai querer?, e, se traduzi o Lazarillo, estes espanhóis de lá (século XVI) pra cá me servem, qualquer um, estou aqui pra tentar, de guarda-chuva, como o Vô Nozinho, que todos os dias ia pra “cidade”, no Rio dos anos cinqüenta, sessenta, clinicar levando o seu, ainda que o céu estivesse limpo como minha alma ao tão despudoradamente oferecer-me – e o Vô nunca experimentou sorvete e comia massa todos os dias, reclamando, “Está dura” ou “Está mole”, enquanto que este seu neto, quem sai aos seus, é nosso, mas vai se apequenando, apenas nunca andou de motociclo, nunca comeu coisa viva, não entra em elevador nem em avião nem em lugar onde tenha multidão de dez ou vinte nem em lugar onde não tenha ninguém nem em automóvel na hora do engarrafamento nem em fuca nem naqueles tubos onde fecham a gente pra examinar inteiro, nunca, Doutor!, e reclama todos os dias, mas que a bolacha tem que ser feitio do Alegrete (a diligência vai, dia sim, dia não, buscar, é só o que presta, lá) e bem torrada, pra fazer sopa com o café preto e, lógico, já disse, o guarda-chuva sempre levo, e se chove? –, oferecer-me assim, como na prateleira de sortidos, minha mulher e musa sempre ponderando, “Uma vergonha de tão barato, Zezinho”, do que o amor é capaz, “Também te amo, amor”, e agora, sinto uma vertigem, não sei, me subindo pescoço acima, “Teu carinho, claro, imagina se eu não ia me dar conta, vem cá, guria...”, agora sinto que a coisa vai, vamos tirar os pés do tremedal, “Vem cá, guria!”
Vendo também umas pinturas, desenhos, composições com grafismos computadorizados, coisas minhas – decorativas, sem nenhuma pretensão que não seja colorir o ambiente –, e de outros, amigos todos, alguns parentes, temos que fermentar o bolo pra crescer. E vendo profissionais de outras áreas, até artefatos de cimento temos (brevemente terneiros, vacas, touros...) e um hotel em Salto, Uruguay, que es una belleza. Comprem-nos.
(Este texto vai ficar um tempinho bem mais ou menos nestas anchas plagas – nossa medida se conta em eras –, para que o mundo todo – e quiçá os universos outros habitados! –, tome ciência da grande nova. Quando Colombo ameaçou, ninguém deu bola, e eis-nos aqui, hein?!, na Internet e tudo: não adianta, o que é bom já vem do ovo!)

silva

gumercinoGumercindo Saraiva, líder maragato, morreu no dia 10 de agosto de 1894, no Carovi, hoje município de Santiago do Boqueirão, quando estudava o terreno do combate que logo se travaria contra a Divisão do Norte. Foi reconhecido por um dos seus, prisioneiro dos chimangos, quando estes faziam o mesmo lá do seu lado. O jovem – de Passo Fundo, donde também veio o coronel Firmino de Paula –, conta Alcides Maya, comoveu-se ao reconhecer o chefe, exclamando, “O General!”
Mas que cagada, não?! Ô bocó!
Fizeram pontaria e pronto, no peitoral de angico. Mataram o melhor dos nossos guerreiros.
Alcides Maya o tinha em alta conta, como o Visconde de Taunay, Lourenço Moreira Lima e Ângelo Dourado, entre outros. Afonso Arinos escreveu: “Sua marcha de combates incessantes, por mais de dois mil e quinhentos quilômetros Brasil adentro inscreve-se entre os grandes episódios da nossa história militar, com a retirada da Laguna e a coluna Prestes”. Cláudio Moreira Bento, transcreveu texto produzido pelo Exército Nacional a respeito de sua conduta em 93: “Revelou coragem física e moral, energia, espírito de renúncia e de sacrifício, audácia e afetividade aos seus homens (...). Audaz e intrépido guerrilheiro que, na sua grandeza d’alma, tinha o mais elevado conceito de cavalheirismo. Era este o seu segredo e onde residia sua força que eletrizava multidões.” Mas segredo não era, CMB, de ninguém.
Diferentemente do “ambíguo Bento Gonçalves”, ou do “grave e elegante Antônio de Souza Netto”, tampouco do “arisco Bento Manoel” (adjetivos de Ruas e Bones, em A cabeça de Gumercindo Saraiva), Gumercindo era todo ele nele em todos os momentos (Don Bagayo tem uma tese de que Ricardo Reis escreveu “Para ser grande, sê inteiro: nada / Teu exagera ou exclui. / Sê todo em cada coisa. Põe quanto és / No mínimo que fazes. / Assim em cada lago a lua toda / Brilha, porque alta vive”, esta maravilha, em homenagem antecipada ao caudilho, metido com os espíritos como era o português). “Gumercindo Sarabia? O maior destos hombres / Terruños, gauchos. Até onde a vista vai / De pampa, tauras – campeadores de horizontes – / Na guerra de-a-cavalo e lanças de nhanduvai”, isto, sim, é incontroverso, escreveu Don Bagayo y Balurdo, em tarde inspirada no regaço de uma chinoquinha nova, cavalgando lirismos.
Morto, os chimangos descobriram o cemitério dos capuchinhos – onde o enterraram os seus, seguindo o rumo da retirada –, o exuma ram e degolaram, fazendo a tropa desfilar diante do corpo para que os guerreiros acreditassem que era mesmo o homem. Não adiantou, “Ficou pior. Como é que a gente vai se defender de um morto? Ainda mais Gumercindo, ele acha a gente e adeus-tia-chica!” Firmino de Paula, requintado, envia a cabeça do caudilho de presente para Castilhos, dentro de uma caixa de chapéu. O bixiguento fica uma fera. Assim foi que sumiu esta parte tão importante da anatomia de um homem – ainda mais em tempos de degola –, e então que faltam ossos naquela tumba enfim povoada em Santa Vitória do Palmar.
Uma idéia do que foi este gaúcho. Uma, não, duas: sua divisa: “Morir por la patria es gloria”; o editorial da chimangada na capa d’A Federação, quando de sua morte: “Miserável! Pesada como os Andes te seja a terra que generosamente cobre teu cadáver maldito. Caiam sobre esta cova asquerosa todas as penas concentradas das mães que sacrificaste, das virgens que violaste, besta-fera do Sul, verdugo do Rio Grande...” (novamente Don Bagayo vê homenagem e vê antecipação em poema de outro português, Fernando Pessoa, quando escreve “Ó mar salgado, quanto do teu sal / São lágrimas de Portugal! / Por te cruzarmos, quantas mães choraram, / Quantos filhos em vão rezaram! / Quantas noivas ficaram por casar / Para que fosses nosso, ó mar!” Quanto às “mães” sacrificadas, a aproximação é clara com as que “choraram” – a dor, exceção feita aos gaúchos, costuma borrifar lágrimas nas faces menos templadas pela vida –, e, se pensamos com cérebro do fim do século XIX, conservado em formol, virgens violadas jamais teriam acesso ao santo matrimônio, ou viravam putas ou freiras, tanto fazia mesmo, uma vez rasgada, nem costurada com linha preta, já dizia minha querida Tia Marieta. Don Bagayo y Balurdo é taxativo: “Sim e sim!”).
Tudo isso como intróito a isto: La Pandorga era o nome do estabelecimento rural de Gumercindo Saraiva – este gaúcho modelar e inspirador, como vimos – no Uruguai. Uruguai, Banda Oriental de onde vieram meus avós maternos para o Rio Grande no início do século passado (trazendo consigo a origem basca, de Astúrias, da Ilha da Madeira e da Andaluzia, mas não entremos neste meandro da história). Vieram do Salto, onde ainda ficaram alguns, com quem trocamos visitas contumazes. Sinto-me em casa no Uruguai pampeano, o mínimo que seria de esperar-se de um gaucho. E, já que a pátria é a infância, como disse alguém, as pandorgas, quais abelhas na coleira, zumbem em meu céu sem nuvens, mas cheio de ventos, como os presságios de Ana Terra. Neste espaço de liberdade, encontro-me comigo mesmo – e é bem difícil isso, um contorcionismo, esforço circense, bá! –, eu menino, menino soltando pandorgas... Ao menos até que, cabriolantes, outros as atacassem com cerol na linha, degolando-me.
La Pandorga é o nome do rancho em nossa chácara no Jacaraí e, por supuesto, deste cibernético endereço. Tudo, tudo em honra do gaúcho Gumercindo, o maior!

José Carlos Fernández Queiroga © 2004 - www.lapandorga.com.br
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